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O que falta para ter mais M&As no setor de tecnologia? Startups mais preparadas

Quem acompanha o mercado de startups e de tecnologia pela ótica do volume de investimentos teve a impressão que a festa esfriou em 2022. As mega-rodadas e os valuations recordes, os novos unicórnios, e a corrida por contratações deram espaço à incerteza de investidores em função do aumento dos juros, da inflação global, e à série de demissões (ou lay-offs, como preferem alguns) em grandes, médias e pequenas empresas de tecnologia.

Mas para quem acompanha este mesmo mercado pelo olhar de quem compra e vende empresas, o cenário é completamente diferente. A cada ano, mais empresas entram no jogo do M&A (fusões e aquisições) buscando negócios inovadores como estratégia de inorgânico ou para ganhar competitividade agregando novas tecnologias. E como essas realidades distintas coexistem no mercado?

“O fato é que tem muita gente comprando, empresas de capital aberto ou fechado. E ter menos capital disponível para investimentos no mercado tem efeito de melhorar a oferta, porque os empreendedores dizem: não estou conseguindo fazer rodadas sucessivas, então preciso buscar um outro caminho”, avalia Rafael Assunção, empreendedor, mentor e investidor que lidera a Questum, empresa focada em operações de M&A para startups e que tem como sócios jovens empreendedores com larga bagagem no ecosisstema como Anderson WustroTiago Vailati e João Selarim.

Para Rafael, o mercado só não está mais aquecido por uma razão básica: “há um gap para termos mais fusões e aquisições no mercado, que é a falta de oferta. Compradoras como Senior ou Totvs não podem comprar uma startup que não tem um tamanho mínimo em termos de faturamento ou que não atingiram o break even. Os alvos que fazem sentido para as empresas são poucas”, comenta em entrevista ao SC Inova.

Em 2019, quando fundou a empresa com uma tese ainda pouco explorada no mercado de tecnologia do país (ajudar startups no processo de entender o timing de venda e se preparar para isso), Assunção estimava uma movimentação de R$ 1 bilhão em até cinco anos a partir de operações de exit com envolvimento da Questum. Mas foi preciso pouco mais de três anos para bater a marca, após apoiar a venda de startups como as catarinenses Mercos (Joinville), Effecti (Rio do Sul), Smarket (Florianópolis), Zipper (Florianópolis) e PagueVeloz (Blumenau), além de Mercadapp, Ipê Digital e Lett.

Neste ano, a empresa vai rodar a região Sul – em especial Santa Catarina, seu estado sede – em eventos para apresentar a startups os preceitos de como se preparar para uma venda. O primeiro encontro será na terça (28.02), na Softville, em Joinville (SC), e o calendário segue ao longo de 2023 com visitas aos ecossistemas de Chapecó (Deatec, em 18 de abril), Blumenau (Blusoft, 27 de julho) e Florianópolis, no dia 12 de setembro. Nesta entrevista exclusiva, Rafael fala da expansão do mercado e da empresa – e de como as startups podem se preparar para encontrar compradores em um mercado que está mais aquecido do que pode parecer.

SC INOVA – Esse freio nos investimentos em venture capital causou algum impacto no mercado de M&A?

RAFAEL ASSUNÇÃO – Não há uma relação entre os dois mercados. Cada dia tem mais empresas precisando acessar startups, novos modelos de negócio e produtos. Em 2015, quem comprava uma empresa de tecnologia era Linx e Totvs, basicamente. Hoje todo mundo compra: varejo, bancos, unicórnios também compram, empresas que fizeram IPO.

Mas o fato de ter menos capital disponível no mercado ajuda a melhorar a oferta, porque os empreendedores dizem: não estou conseguindo fazer rodadas sucessivas, então preciso buscar um outro caminho. E aí entram na rota de M&A.

Como o número de compradores potenciais só aumenta, é mais comum que os novos entrantes comprem mais. A gente presta muita atenção pros ruídos, como discutir a taxa de juros, papel do Banco Central etc., mas no final do dia as decisões de compra são muito mais micro do que macroeconômicas.

SC INOVA – E que tipo de “decisões micro” são essas?

RAFAEL ASSUNÇÃO –  Por exemplo, o Itaú comprou a Zup, uma empresa de Uberlândia (MG) que quase ninguém conhece por R$ 500 milhões. E comprou porque? Por ter mil pessoas ótimas em tecnologia bancária. Nubank comprou uma plataforma de inteligência de dados. Você tem ciclos: empresa capta dinheiro, vai às compras, depois vai consolidando, integrando. A gente gosta de olhar muito pro ciclo da empresa compradora, pra ter o timing certo. Qual player está no início do ciclo de expansão? Vamos olhar para eles antes de bater na porta.

Nesse mercado há mais demanda do que oferta, não há startups do tamanho e com a organização necessárias para serem compradas. Empresas que tradicionalmente compram outras de tecnologia, como Senior ou Totvs não pode comprar uma startup com 10 pessoas, que não esteja estruturada do ponto de vista trabalhista, societário.. tem regras de governança que exijam um mínimo de organização. Se a gente fizer uma seleção buscando esse perfil, sobram poucas. Esses são os alvos que fazem sentido e são viáveis para os compradores.

SC INOVA – Mas a escassez de capital não impacta no tamanho do cheque para comprar uma empresa? Recentemente, vimos múltiplos chegando a 9x, 10x a receita anual da startup adquirida. Há viés de queda nesse sentido? 

RAFAEL ASSUNÇÃO – O valuation é formado por quanto dá de lucro, quanto cresce e qual a taxa de juros. A única variável sem controle é a taxa de juros. Mas o que importa é quanto a startup cresce e quanto ela dá de lucro. O múltiplo vai em função disso. Parte do valuation será dá sob a estrutura da transação: se ela se dá parte em cash-out e parte em earn-out em que ela captura o crescimento futuro da empresa, eu consigo ter um valuation melhor no final da transação. Para chegar a um bom valuation, é preciso fazer as empresas crescerem, serem rentáveis e terem um plano acelerado até dizer: você me paga um pedaço aqui e a soma desses dois fatores (lucro e crescimento), daqui a uns três anos, quando eu olhar o múltiplo que eu faturava, vai ficar ótimo. A taxa de juros nesse caso é o de menos.

Boa parte do valor da startup não está no passado, porque é um negócio de futuro. Então a pergunta é: eu consigo capturar valor lá na frente? Qual é o crescimento dela? Consigo mostrar o que está acontecendo e dizer, nos próximos 5, 10 anos, como ela vai expandir? O nome desse jogo é valuation.

Melhor do que discutir múltiplos e chegar para a startup e dizer: em vez de crescer 20% ao ano dá pra crescer 60%? Se consegue ajudar a empresa a buscar soluções estratégias para isso, em três a quatro anos ela será 3 a 4 vezes maior. Portanto, o valor dela é muito maior. A discussão é construir valor no tempo, mostrando um caminho de construção de caixa e não ficar brigando com os números na negociação.

SC INOVA – Você falou em ruídos, preocupações que atrapalham as empresas nesse processo de negociação. Que ruídos mais comuns ocorrem entre as startups?

RAFAEL ASSUNÇÃO  A única coisa que a gente deve se preocupar é gerar valor pro cliente. É uma platitude dizer isso, mas a gente precisa evitar os ruídos e voltar pro básico. Quando se faz isso bem, tem margem e cresce. Essa é a nossa conversa com as startups, não é o que é bom pro investidor ou para o potencial comprador, mas pro cliente. Parece uma conversa dos anos 1970, mas essa discussão é muito frequente no ecossistema.  O mercado fala que o melhor é entregar uma solução automatizada? Mas isso vai facilitar pra quem?

O professor Clayton Christensen (1952-2020), de Harvard, falava no job-to-be-done, o que é essencial para o cliente. O valor não está em ser disruptivo, mas atender de forma mais conveniente e econômica a necessidade do meu cliente.

SC INOVA – Como está a perspectiva de negócios para o ano?

RAFAEL ASSUNÇÃO – Vamos expandir e traremos mais sócios com o perfil de quem entende a jornada empreendedora. Fizemos um curso de M&A em Itapema, no final de 2022 e gerou muitas conexões. O ecossistema tem um espírito de camaradagem que permite às pessoas falarem de suas empresas sem grandes preocupações. O nível de aprendizado foi muito bom e por isso vamos repetir, em um modelo mais enxuto, em outras praças, Joinville, Blumenau, Chapecó e Florianópolis.

Também vamos participar de uma série de eventos como Bossa Summit e Startup Summit, levar a mensagem de como funciona o M&A, como se preparar, quando é a hora. Parte do nosso papel é levar essa reflexão ao empreendedor, provocá-lo com experiência e melhores práticas.

SC INOVA – Analisando o nível dos empreendedores hoje em Santa Catarina, como você compara à geração que viu surgir o termo startup, ou seja, há mais de 10 anos…

RAFAEL ASSUNÇÃO –  Nenhuma das startups que passou, por exemplo, na primeira turma de capacitação do Startup SC, em 2013, passaria hoje. O nível aumentou muito: as empresas chegam com receita, os empreendedores mais maduros, todo mundo sabe o que é canvas, inbound, outbound, não precisa explicar nada disso. A maior parte hoje são startups criadas para resolver problemas, não é uma ideia que surgiu sem validação.

Isso se deve ao processo de amadurecimento natural: muitos desses empreendedores passaram por outros programas, se miraram em outros exemplos. Eu estava há algumas semanas no Nordeste, com uma startup forte na região, com mais de 100 pessoas e eu ouvi algo que me arrepiou: o CEO começou a empresa em 2011 e foi ouvir a palavra “startup” a primeira vez em 2019! Ele achava que não era uma startup porque era só para empresas pequenas. O que a gente vê em Santa Catarina é fruto de uma construção de ecossistema e isso a gente só percebe quando vê onde não existe isso.

Fonte: https://scinova.com.br/o-que-falta-para-ter-mais-mas-no-setor-de-tecnologia/