Na prática: Design Thinking na gestão pública

Foto: Caiena/Divulgação.

Na Caiena, nós utilizamos diversas abordagens de human-centered design em nossos projetos, como o Metadesign e o Design Thinking. Conscientes de todo o contexto explorado nos capítulos um (Compreendendo Design Thinking por meio da história do design) e dois (Como os pilares do Design Thinking foram construídos na história?) da série, analisamos, moldamos e integramos as abordagens. Elas, por sua vez, podem ser aplicadas em cada etapa de um projeto público ou privado, no intuito de nos ajudar a trilhar o caminho entre as ideias e a criação.

O projeto Observatório de Gestão Pública de Boa Vista (OBV) é um exemplo de como utilizamos Design Thinking e suas ferramentas na gestão pública. O OBV é um portal que permitirá à população acompanhar os gastos e atividades das secretarias municipais da cidade de Boa Vista. Os designers da Caiena, Bárbara Prestes e Murillo Perecinotto, receberam o desafio de criar e ministrar um treinamento sobre Design Thinking para os servidores públicos da prefeitura da cidade e utilizaram a abordagem para realizar a atividade. Por trás de seu sentido prático, podemos visualizar os pilares do Design Thinking de Kolko sendo aplicados – tanto pelos servidores, como pelos designers. A Bárbara e o Murillo nos contam melhor como foi a experiência:

Antes de aplicar um treinamento, precisamos entender o público para qual estamos nos direcionando. Para isso, aplicamos a etapa da empatia. Pudemos buscar informações sobre o público, além de usar nossas experiências e internalizações para abstrair um entendimento sobre os desafios que os servidores públicos de Boa Vista enfrentam no cotidiano.

Com o exercício, conhecemos alguns dos principais problemas da vida da gestão pública, como orçamento limitado, lentidão para tomada de decisões e burocracia em excesso. E, assim, vivenciamos a etapa de definição de problema, na qual entendemos que estes desafios geram um ambiente em que a solução criativa de problemas tende a não existir.

A partir daí, nos debruçamos para construir um treinamento que aproximasse a abordagem Design Thinking do cotidiano dos servidores e que demonstrasse caminhos e momentos em que ela poderia ser aplicada na gestão pública. No processo de ideação, tivemos vários insights e caminhos potenciais para seguir. A primeira escolha que fizemos foi mesclar teoria, apresentação de casos – tanto no âmbito da gestão, como em outros – e atividades para cada módulo aprendido.

Para obter um conjunto de atividades ideal, montamos uma estrutura programática que foi evoluindo naturalmente em um processo de prototipagem. Por fim, compreendemos que o ideal para o treinamento seria finalizá-lo com a materialização das atividades e dos conhecimentos construídos por meio da criação de um produto.

Com a estrutura e artefatos preparados, reunimos outros membros da Caiena e realizamos sessões de teste com a ótica dos participantes – pessoas que não conhecem a abordagem de Design Thinking e suas ferramentas. Assim, pudemos levantar questionamentos e identificar aspectos que deveriam receber mais atenção ou ser modificados.

O resultado final foi extremamente satisfatório e os servidores concluíram o treinamento com um projeto do qual se sentiram orgulhosos! A eficiência do uso de ferramentas do Design Thinking para a projeção de soluções aos problemas da realidade das pessoas é a maior prova do valor da abordagem. Ao mesmo tempo, esse resultado é uma realização para nós, designers, que projetamos e idealizamos o curso.

Case das galhadas:

Um dos cenários levantados durante o treinamento foi o das galhadas – as podas das árvores ficam nas ruas e calçadas de Boa Vista até que a prefeitura as recolham, prejudicando o trânsito, pedestres e gerando resíduos em vias públicas. Nas etapas de empatia e definição do problema, o grupo entendeu o sentimento de impotência da comunidade, listou os problemas relacionados ao cenário e escolheu um para resolver. Na ideação, os servidores seguiram o método da pior ideia possível. No caso, escolheram como solução jogar as galhadas na casa do vizinho. A partir da discussão sobre essa ideia, nasceu um grande projeto: utilizar terrenos baldios como pontos de coleta das galhadas. Mais do que isso, o grupo idealizou um ciclo: moradores levam suas galhadas para os pontos de coleta; as galhadas são transformadas em adubo para as propriedades de agricultura familiar da região; os alimentos produzidos são comercializados nos mercados dos bairros; e quem contribui utilizando os pontos de coleta ganha cupons de desconto para a compra desses alimentos.

Na etapa de prototipação, os servidores construíram uma maquete para simular o ciclo que idealizaram, e puderam refinar algumas das ideias. Normalmente, uma prototipação real deveria ser feita em um projeto piloto, mas a produção da maquete permitiu a materialização do projeto.

Com isso, chegamos ao fim da série sobre Design Thinking! Por meio dos textos, nos propusemos a transmitir uma possibilidade de entendimento sobre a abordagem que não se encerre no seu uso como um método imutável. Você pode conferir os dois primeiros posts da série aqui: Compreendendo Design Thinking por meio da história do design e Como os pilares do Design Thinking foram construídos na história?.


Texto por:
Rebeca Bissoli Silvestre e originalmente publicado no Caiena Blog.

Como os pilares do Design Thinking foram construídos na história?

Foto por Patrick Schöpflin no Unplash.

Nesse segundo capítulo da série "Compreendendo Design Thinking por meio da história do design" vamos contar como o Design Thinking surgiu. O autor Jon Kolko traz a explicação por um viés bem contextualizado. Em sua visão, não há um “big bang” que deu origem à abordagem, mas diversos acontecimentos ao longo da história do design que resultaram em uma maneira específica de pensar por parte dos designers, ou o que ele chama de pilares do Design Thinking:

À medida que os profissionais da área passaram a atuar em organizações, o design se tornou mais democrático. Ou seja, diminuiu-se a distância que havia entre designers e usuários/não-designers. Estas pessoas foram inseridas no processo em um movimento de participação, colaboração e emancipação. Os designers, em contrapartida, tiveram seu papel um pouco modificado, pois também se tornaram facilitadores do processo criativo. O funcionamento da nova lógica exigiu uma relação emocional e colaborativa verdadeira entre as pessoas envolvidas, o que resultou no primeiro pilar do Design Thinking: a empatia, ou seja, a aptidão para desenvolver conexão emocional com usuários/não-designers e criar uma colaboração significativa com eles, transformando-os em co-designers.

Nas décadas de 1950 e 1960, muitas pesquisas se dedicaram a entender como as pessoas resolviam problemas. Alex Osborn, por exemplo, coloca o design como uma maneira divertida, ilógica, criativa e não racional para tal. Em sua teoria, criou o famoso brainstorming – encontro de pessoas para pensar em ideias. As regras são não criticar, focar em quantidade, aceitar qualquer ideia e construir a partir delas. Donald Schön, por sua vez, entende que o pensar e o fazer se complementam e estabelecem limites entre si. A partir do seu enquadramento, o designer identifica problemas no que está criando e faz algo novo para resolvê-los, o que gera novos problemas e assim por diante. O autor Vilém Flusser também aborda o fenômeno, intitulado por ele como “dialética interna da cultura”, em seu livro “O mundo codificado”. No estudo, ele frisa a responsabilidade do designer ao desenhar soluções, já que elas virão a ser novos obstáculos no futuro. Pesquisas como essas levaram ao segundo pilar do Design Thinking: habilidade de explorar problemas de diversas maneiras, sejam lógicas, ilógicas, lineares e divergentes, com a capacidade de transitar entre elas livremente.

As décadas de 1970 e 1980 deram início ao pensamento sobre usabilidade. Com a difusão da rede de computadores nas organizações, percebeu-se que a falta de usabilidade gerava mais gastos. A solução da época foi mapear o comportamento humano em detalhes – cada tecla pressionada e decisão cognitiva – para identificar as ineficiências, o que se mostrou ser algo extremamente complicado de se aplicar. Já com a popularização dos computadores além do ambiente corporativo, outras maneiras mais interessantes de melhorar a usabilidade apareceram. Uma importante foi o teste: assistir aos usuários utilizando o produto ou o serviço ao invés de se basear em teorias para encontrar os problemas em usabilidade. Na década de 80, o protótipo foi uma ferramenta desenvolvida para melhorar o teste. A capacidade de construir um modelo de produto/serviço com o máximo valor possível e que possa ser testado com rapidez tem sua relevância até hoje. A evolução acerca da usabilidade deu origem ao terceiro e último pilar do Design Thinking: criar produtos/serviços com alto nível de fidelidade com os usuários, a partir de testes e protótipos para entender o que as pessoas querem e para entregar valor.

Ao mesmo tempo em que as ideias acima surgiram, outra perspectiva sobre o Design Thinking emergiu – o design, em sua função de resolver problemas, como um fenômeno cultural. Por meio dele é possível experienciar e otimizar o mundo em um processo que valoriza a história, o significado e a condição humana.

As críticas ao Design Thinking

Existem estudiosos e designers que não enxergam o Design Thinking como algo tão positivo. Entre as críticas de profissionais relevantes, como Natasha Jen, da Pentagram, Lee Vinsel e o próprio Jon Kolko, é problematizada a maneira como se usa a abordagem (o modo de pensar do designer). De acordo com eles, um conceito complexo, natural – e desordenado, como afirma Jen – é aplicado como um método simples, engessado e alienado do contexto histórico. O que o grupo alerta é que o uso comercial do Design Thinking pode desprendê-lo da essência do design, que mescla a atitude de melhorar uma situação com foco nas pessoas, conceitos intelectuais e a ação de criar “coisas”, de fato.

"In the end, Design Thinking’s not about design. It’s not about the liberal arts. It’s not about innovation in any meaningful sense. It’s certainly not about ‘social innovation’ if that means significant social change. It’s about COMMERCIALIZATION." Vinsel, L. Design thinking is kind of like syphilis—it’s contagious and rots your brains.

“No fim, Design Thinking não é sobre design. Não é sobre artes liberais. Não é sobre inovação em nenhum sentido significativo. Com certeza não é sobre ‘inovação social’ se isso significa mudança social significativa. É sobre COMERCIALIZAÇÃO”. Tradução livre.

No terceiro e último capítulo da série, vamos materializar o que pensamos sobre o assunto com o exemplo do treinamento de Design Thinking para os servidores públicos de Boa Vista (RR), no âmbito do projeto Observatório de Gestão Pública de Boa Vista (OBV), um portal que permitirá que a população acompanhe os gastos e atividades das secretarias municipais da cidade de Boa Vista. Ah, se você quiser conferir o que vimos no primeiro capítulo “História do design – do foco no consumo para o foco no usuário” é só clicar aqui!


Texto por:
Rebeca Bissoli Silvestre e originalmente publicado no Caiena Blog.

 

Compreendendo o Design Thinking por meio da história do design

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Foto por Anika Huizinga no Unplash.

Design Thinking é uma buzzword que se tornou muito popular após ser adotada por Tim Brown, da IDEO. Mas ele não foi o primeiro na história do design a utilizar o termo. O tema já é explorado por pesquisadores da área de design desde a década de 80, como Nigel Cross e Bryan Lawson. Nesse meio tempo, muitos modelos de Design Thinking surgiram graças a modos amplamente diferentes de perceber as situações de design e graças às teorias e metodologias desta e de outras áreas, como psicologia e educação. Simultaneamente, isso gerou um vasto arsenal de ideias e metodologias, mas também causou confusão sobre o conceito, já que muitos conteúdos por trás das definições não foram difundidos da mesma maneira.

Como será possível ter um entendimento mais claro sobre Design Thinking? Nós temos uma possibilidade: compreender o assunto por meio de uma viagem pela história do design! Descubra, em uma série de três capítulos, como aconteceram as mudanças de paradigma na história do design, como elas moldaram os pilares do Design Thinking, o que designers e teóricos pensam sobre o conceito e, finalmente, como a Caiena enxerga e utiliza o método.

Capítulo 1: História do design – do foco no consumo para o foco no usuário

Vamos começar resumindo uma das principais mudanças de paradigma da história do design. O design começou a ser mais explorado no século XIX. Ele se desenvolveu em resposta à Revolução Industrial que substituia a produção artesã pela produção em larga escala. Designers observaram a tentativa frustrada de industriais em manter a mesma lógica de produção no novo contexto – reproduzir os produtos feitos à mão e personalizados nas máquinas – e lançaram uma ideia revolucionária. Ao perceber que o centro das atenções devia ser a capacidade da indústria, eles sugeriram que os produtos se adaptassem a ela. Assim, desenharam novas versões dos objetos, em sua forma mais simples, a partir do que as máquinas eram capazes de fabricar e com o objetivo de otimizar a produção.

Com o desenvolvimento da indústria – e toda a história que já conhecemos – o design ainda manteve seu papel de auxiliar a lógica de consumo. Continuou sendo disciplina empregada, principalmente, na criação de aspectos estéticos-formais que tornassem os produtos mais atrativos para o mercado consumidor crescente.

É por isso que dizemos que o design, naquele contexto, era centrado no consumo e/ou na indústria.

Com o passar dos anos, já na época pós revolução industrial, muita coisa mudou. No decorrer de sua atuação, designers enxergaram novas maneiras de pensar a prática. Assim, o design como profissão teve seu viés estratégico aflorado.

“Design has historically been a tangible medium, one where we can clearly see or touch the output of the creative process. (...) But design also generates output that is less apparent. The design of a workspace includes more than just the physical arrangement of a building. The processes used, the working and operating hours, employee titles, corporate hierarchy, and compensation structure – these have all been designed (...).” (Jon Kolko, The divisiveness of design thinking).

“O design tem sido um meio tangível historicamente, em que podemos ver claramente ou tocar no resultado do processo criativo. (...) Mas o design também gera resultados menos aparentes. O design de um espaço de trabalho inclui mais do que apenas o arranjo físico de um edifício. Os processos utilizados, as horas de trabalho e de operação, os títulos dos funcionários, a hierarquia corporativa e a estrutura de remuneração - tudo isso foi desenhado (...).” (tradução livre)

Na transição, o foco deixou de ser o produto e passou a ser as pessoas e os problemas que elas querem/precisam resolver. Ou seja, o design passou a ser centrado nas pessoas.

No desenvolvimento dessa ideia, se configura a lógica do Human-centered Design, de onde surgem ou se relacionam diversas abordagens de projetos, entre elas o Metadesign, o Design Driven Innovation e o Design Thinking.

No próximo post dessa série, vamos explicar de maneira mais detalhada como as mudanças no foco do design foram constituindo os pilares do Design Thinking! Além disso, também apresentaremos a visão de alguns teóricos e profissionais sobre a utilização do método no mundo dos negócios. Não perca!


Texto por:
Rebeca Bissoli Silvestre e originalmente publicado no Caiena Blog.