Direitos de Propriedade Intelectual

Direitos de Propriedade Intelectual | Foto por Freepik.

Em nosso cotidiano, há muitas dúvidas envolvendo propriedade intelectual, seja por parte do empregado ou do empregador.

Nesse sentido, é importante que ambas as partes – empregado e empregador, compreendam com clareza quem é o real detentor desses direitos.

O que são Direitos Intelectuais?

Segundo a Comissão Mundial de Propriedade Intelectual, propriedade intelectual é definida por “a soma dos direitos relativos às obras literárias, artísticas e científicas, às interpretações dos artistas intérpretes e às execuções dos artistas executantes, aos fonogramas e às emissões de radiodifusão, às invenções em todos os domínios da atividade humana, às descobertas científicas, aos desenhos e modelos industriais, às marcas industriais, comerciais e de serviço, bem como às firmas comerciais e denominações comerciais, à proteção contra a concorrência desleal e todos os outros direitos inerentes à atividade intelectual nos domínios industrial, científico, literário e artístico”.

Podem ser classificados em três espécies: Direitos do Autor (Lei de Direitos Autorais – 9.610/98), Direitos de Propriedade Industrial (Lei de Patentes n. 9.279/96) e Direitos Intelectuais relativos à criação e utilização de software (Lei 9.609, de 19.02.98).

A quem pertence os Direitos Intelectuais: empregador ou empregado?

A legislação brasileira estabelece regras distintas para os Direitos Intelectuais, de acordo com cada espécie (Direitos do Autor, Direitos de Propriedade Industrial e Direitos Intelectuais relativos à criação e utilização de software).

Além disso, é preciso identificar se a criação/invenção foi realizada por cumprimento do contrato de trabalho ou se foram utilizadas ferramentas do empregador (recursos, equipamentos, instalações, dados ou materiais).

  • Direitos do Autor

Os Direitos do Autor são regulamentados pela Lei nº 9.610/98, chamada de Lei de Direitos Autorais.

Segundo a legislação, obras intelectuais artísticas e científicas pertencem exclusivamente ao empregado, ainda que decorrentes da execução do objeto do contrato de trabalho. Porém, o empregado poderá ceder os direitos autorais ao empregador, na forma do artigo art. 4º, da Lei nº 9.609/98.

  • Direitos de Propriedade Industrial e Direitos Intelectuais relativos à criação e utilização de software

Nos termos da Lei de Propriedade Industrial (art. 88, Lei 9279/96), assim como da denominada Lei de Software (9.609/1998), os direitos envolvendo patentes, desenhos industriais e softwares desenvolvidos criados ou aperfeiçoados por força do contrato de trabalho, pertencem integralmente ao empregador, salvo ajuste em contrário. Esse é o caso do programador que é contratado para desenvolver para o empregador. Nesse cenário, as criações são chamadas de “Invenções de Serviço”.

Agora, se o empregado, durante o seu tempo livre e sem a utilização das ferramentas do empregador, cria ou aperfeiçoa algo, os direitos intelectuais são exclusivos do empregado (art. 41, Lei 5.772/71 e art. 90, Lei 9.279/96). Tais criações são intituladas de “Invenções Livres”.

Uma outra hipótese é a chamada “Invenção Comum”, que ocorre quando há a contribuição pessoal do empregado utilizando as ferramentas do empregador, porém, os inventos/aperfeiçoamentos ocorrem fora da previsão ou dinâmica contratual. Ou seja, o invento/aperfeiçoamento não decorre de execução do objeto do contrato de trabalho, porém, há utilização de ferramentas do empregador. Nessa situação, os direitos intelectuais são de propriedade comum do empregado e empregador, conforme se extrai do artigo 454 da CLT.

Como preservar os direitos intelectuais?

A fim de evitar maiores discussões que podem chegar até ao judiciário, é importante que o empregador inclua no contrato de trabalho, cláusulas específicas para regular os direitos de propriedade intelectual. Adicionalmente, o empregador poderá estabelecer contrato de cessão de direitos.

Por outro lado, nada impede que o empregador destine parte dos lucros/direitos das Invenções de Serviço ao empregado. Porém, nesta hipótese, é imprescindível que haja a confecção de contrato contendo regras claras (valores, prazos, regras de extinção dos direitos, entre outros).

Em todo caso, é essencial que o empregador procure uma assessoria jurídica especializada, que, com uma gestão eficaz e preventiva, certamente reduzirá os riscos de passivos trabalhistas.


Referências:

Associação Brasileira de Propriedade Intelectual: https://abpi.org.br/blog/o-que-e-propriedade-intelectual/

DIREITOS SOBRE PROPRIEDADE INTELECTUAL: EMPREGADO OU EMPREGADOR?, disponível em: https://pris.com.br/blog/direitos-sobre-propriedade-intelectual-empregado-ou-empregador/

Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg. – Belo Horizonte, 30 (60): 95-107, Jul./Dez.99, DIREITOS DA PERSONALIDADE (INTELECTUAIS E MORAIS) E CONTRATO DE EMPREGO, Maurício Godinho Delgado.

TRT-2 10024371520165020435 SP, Relator: MARIA JOSE BIGHETTI ORDONO REBELLO, 1ª Turma – Cadeira 2, Data de Publicação: 14/12/2017, disponível em: https://trt-2.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/535304677/10024371520165020435-sp/inteiro-teor-535304687?ref=serp

Consolidação das Leis do Trabalho


Redação por:
Thamiris Nunes e Alves, advogada e sócia-fundadora da Nunes e Alves Advocacia.

(este texto foi duplicado e originalmente publicado no blog da Nunes e Alves Advocacia)

Legal Design — Uma nova forma de pensar o Direito

 

A formação do direito advém de diferentes fontes que a doutrina clássica define como fontes formais e materiais e, dentro destas classificações, se encontram as leis, os costumes, as doutrinas, os princípios e a jurisprudência. De acordo com Hugo de Brito Machado[1], “a fonte de uma coisa é o lugar de onde essa coisa surge. Assim, a fonte do direito é aquilo que o produz, é algo de onde nasce o direito.” Desse modo, se uma população tem por costume e tradição fazer algo que posteriormente venha a ser definido em lei, pode-se dizer que a fonte daquele direito é o costume de seu povo pois, sem tal costume, aquela lei não existiria.

Nesse sentido, a transferência das tradições, costumes e outras práticas sociais, entendidas estas como fontes materiais do direito são repassadas gerações após gerações e utilizadas como fontes acessórias e secundárias para aplicação do direito nos países mais positivistas, como no caso do Brasil. O artigo 4º da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro bem destaca tal indicativo ao estabelecer que “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”.

No entanto, estes costumes e princípios tão caros ao direito geram, como consequência natural, um distanciamento com as importantes atualizações e desbravamento de novos caminhos para a sociedade (e para o próprio direito), especialmente dentro de um mundo conectado como vivemos hoje.

Norberto Bobbio, um dos mais reconhecidos filósofos-políticos e juristas do século XX,destaca que “os costumes, largamente utilizados nos países que adotam um direito costumeiro, não são capazes de direcionar os caminhos a serem percorridos por uma sociedade, mas tão somente de mantê-los”[2].

Inovação é considerada algo arriscado e a palavra risco parece não fazer parte do dicionário dos mais de 900[3] mil alunos que se formam nas faculdades de direito todos os anos no Brasil. Esta aversão a risco, ao mesmo tempo que traz segurança e estabilidade, limita a reinvenção do direito e a forma como os advogados exercem suas atividades e entregam valor a seus clientes dentro de um contexto da chamada 4ª Revolução Industrial.

Todos os dias novos modelos de negócios, novas formas de atuar e novas necessidades de se adequar à realidade surgem à nossa volta, desde financiamento de projetos exclusivamente digitais que desafiam as regras estabelecidas (como é o caso dos ICOs) até organizações corporativas de pessoas em squads e tribes (como é o caso de empresas como Spotify). Nesta onda inovadora, vemos a aplicação, cada vez mais difundida, da metodologia de design thinking como um novo modelo de resolução de problemas.

O termo design thinking foi primeiramente utilizado com destaque no livro The Science of the Artificial de Herbert A. Simon, trazendo a noção de design como um “formato de pensamento”. Posteriormente, Tim Brown, CEO da Ideo e um dos maiores evangelistas do tema, passou a difundir o uso do conceito para outras áreas. David Kelley fundador da Ideo e Roger Martin, diretor da Escola de Gestão da Universidade de Toronto são, também, outros nomes de destaque que ajudaram a divulgar o conhecimento e aplicação da metodologia em vários setores de negócio.

Em essência, entende-se como design thinking um método de pensamento mental, voltado ao ser humano e que visa a solução de problemas pelo processo de empatia. Thomas Lockwood, presidente do Design Management Institute define design thinking como “um processo humano focado em inovação, centrada no ser humano e que enfatiza a observação, colaboração, aprendizado rápido, visualização de ideias, protótipos de conceito rápido e análise de negócios simultâneos, o que acaba influenciando a inovação e a estratégia de negócios” [4]. Tim Brown, de maneira similar, conceitua como “uma metodologia que permeia todo o espectro de atividades de inovação com um espírito de design voltado para o ser humano”[5]. Em resumo, é a forma de aplicar princípios de design em outras áreas de negócios através de pilares como simplicidade, experiência do usuário, foco no ser humano e inovação.

A despeito de ter se tornado um pouco hype em vários negócios, o design thinking é utilizado em muitas indústrias e grandes companhias já alcançaram resultados extraordinários. A gigante financeira Fidelity criou o Fidelity Labs, um laboratório de experimentos financeiros que usa a metodologia para escanear oportunidades, testar e prototipar produtos inovadores e, por fim, escalar os mesmos em sua base de clientes. Hoje a Fidelity Labs está presente em 8 escritórios globais, conta com 150 pessoas atuando exclusivamente em seus experimentos e possui mais de 200 patentes de novos produtos financeiros[7].

No direito, no entanto, o conceito de design thinking ainda é muito pouco difundido, mas os efeitos práticos seguem mesma linha de melhorias aos de setores já testados.

Denominado de Legal Design por alguns designers, o design thinking aplicado ao direito se dá pela aplicação dos mesmos princípios basilares do design thinking tradicional aos problemas enfrentados no universo jurídico. Margaret Hagan, diretora do Legal Design Lab da Stanford Law School e professora do Stanford Institute of Design, destaca que legal design “é a forma como avaliamos e desenhamos negócios jurídicos de maneira simples, funcional, atrativa e com boa usabilidade”[8].

Advogados e operadores do direito, em sua maioria, não experimentam novas estratégias ou teses, não buscam soluções inovadoras e tampouco testam e prototipam novas ideias. Tendem a ser perfecionistas e terminar todo o trabalho antes da entregaao cliente. Este processo, como já dito acima, elimina qualquer tipo de inovação, criatividade ou testes antes da entrega final. A adoção do legal design ajuda a compreender novas formas de trabalho, maior iteração com os clientes, design de documentos mais acessíveis, atendimento mais humanizado e busca de soluções inovadoras.

Focado na experiência do usuário/cliente, o processo do design thinking é composto por 6 etapas: descobrir; definir; idealiza; prototipar; testar; e implementar. Todas estas etapas devem ser sempre trabalhadas através da empatia, ou seja, se colocando sempre no lugar do cliente para buscar respostas aos desafios propostos.

Realizando este ciclo constantemente, medindo os resultados e implementando melhorias constantes, os advogados conseguirão incorporar mais valor a seus serviços. Ao invés de trabalhar em um caso durante muito tempo e, somente ao final, apresentar o resultado pronto, o advogado poderia trabalhar “em conjunto” com o cliente, entender melhor suas dores e testar alternativas rápidas, antes da entrega final. Certamente o resultado será melhor e mais eficiente para a dor do cliente.

A organização americana Tenessee Alliance for Legal Services que desenvolveu um checklist online[9] de perguntas para identificar se pessoas comuns tem ou teriam risco de ter algum tipo de problema legal e, caso tivessem, quais as ferramentas disponíveis para ajudá-las. A iniciativa, pensada a partir do design thinking, foi desenvolvida em entrevistas com usuários, a experiência é simples, a usabilidade intuitiva, direta e colocando a dor do usuário no centro do problema.

Em outro exemplo, o Instituto de Arbitragem da Finlândia valeu-se do legal design para explicar e melhorar a usabilidade da sua ferramenta digital de arbitragem. O trabalho foi realizado em conjunto por legal designers, usuários e estudantes para entender quais eram as melhores informações a serem destacadas, o fluxo destas informações e a forma que elas deveriam ser expostas. Vários protótipos foram previamente testados e a versão final foi amplamente reconhecida pela indústria [10].

Entretanto, o processo não é tão simples quanto pode parecer. Aprofundamento de entrevistas, open-mind para gerar empatia, busca de insights, determinação para testar, paciência para iterar, foco para medir e abertura para ouvir opiniões diversas são qualidades que devem fazer parte da jornada.

Neste processo, as dinâmicas de trabalho em equipes multidisciplinares, ambientes colaborativos, testes e falhas rápidas nos levam a encontrar respostas de dentro para fora, e não de fora para dentro, tornando as soluções mais eficientes e objetivas às dores.

Diversas universidades e escolas de direito reconhecem o valor gerado a partir deste novo modelo de pensamento e criaram núcleos de estudos focados no tema. A Universidade de Stanford continua sendo a mais reconhecida em termos de inovação e no Direito não fica para trás com o já mencionado Legal Design Lab. A Northeastern University School of Law criou o NuLawLab para discutir programas e projetos utilizando o design thinking como ferramenta, criando grupos coletivos de discussão sobre moradias populares, redesign de tribunais e pesquisas de igualdade racial. Por fim, a Vanderbuilt Law School e a Berkeley Law também possuem programas focados em utilizar a metodologia do design thinking para resolução de problemas.

Em conjunto com novas metodologias, ainda, deve-se trabalhar uma grande mudança de cultura dentro da visão dos advogados e, conjuntamente, o domínio e novas ferramentas tecnológicas para que os trabalhos sejam desenvolvidos com maior eficiência. Estas etapas da transformação do direito são longas mas o início se dá agora, nos pequenos passos.

Nosso intuito é hackear o direito e torná-lo mais acessível, de modo que os operadores do direito, as pessoas que dele se beneficiam e a sociedade como um todo possam usufruir de uma justiça mais humana, simples e funcional.

Fontes

[1] MACHADO, Hugo de Brito. Uma Introdução ao Estudo do Direito. São Paulo: Dialética. 2000.

[2] BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico, 6ª ed., Brasília: Universidade de Brasília, 1995.

[3] Conselho Federal da OAB

[4] LOCKWOOD, Thomas. Design Thinking: Integrating Innovation, Customer Experience, and Brand Value. Estados Unidos Da America: Allworth Press, 2009.

[5] BROWN, Tim. Design Thinking: uma metodologia poderosa para decretar o fim das velhas ideias. Rio de Janeiro: Alta Books, 2017

[7] https://www.fidelitylabs.com/

[8] http://www.lawbydesign.co/

[9] https://applications.help4tn.org/a/checkup

[10]https://arbitration.fi/arbitration/fai-arbitration-process/

 

Texto por:

Guilherme Leonel e Natalia Miyazaki, originalmente publicado no Medium da Legal Hackers Campinas.


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Equipe:
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Lucas Orsolini
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